Texto
e pesquisa Ronaldo Campos (Professor do Instituto de Educação, Mestre em
Filosofia pela UFMG)
Todos
os anos os alunos e alunas do terceiro ano do ensino médio são tomados por um
sentimento de ansiedade muito grande. Afinal, é o ano de conclusão da educação
básica. Um momento de decisão, onde cada um terá que escolher o seu caminho. As
festas e as cerimônias de conclusão do ensino médio são muito mais do que meras
comemorações,
uma vez que marcam o fim de um ciclo e o começo de novos desafios. É uma
espécie de ritual para o desenvolvimento do jovem-adulto. É o momento que o
aluno concluinte do ensino médio percebe que terá que se preparar para as novas
fases a vida adulta. Mas é o ano também do baile de de formatura
no belíssimo salão do Mix Garden. Uma festa cheia de glamour e muita animação.
Contudo, os mais velhos recordam com muita nostalgia os bailes de antigamente.
Em tempos
passados, na cidade de Belo Horizonte, no Instituto de Educação de Minas Gerais
(na antiga Escola Normal Modelo), as comemorações e festividades da formatura
tinham início com a missa solene e era seguido da colação de grau e do baile
de formatura reuniam onde se reuniam moças das famílias mais tradicionais e
abastadas da capital e do estado. Estes momentos foram ricamente registrados pela
imprensa da época. O jornal “Minas Gerais”, órgão oficial do nosso Estado,
todos os anos realizava uma detalhada cobertura dos eventos referentes a
formatura das normalistas da Escola Normal Modelo. Assim, todo o estado ficava
ciente dos acontecimentos: a missa, a colação de grau e o baile de formatura.
Partindo de uma pesquisa realizada no setor de periódicos da Biblioteca Luis de Bessa (Praça da Liberdade, Belo Horizonte - MG) em jornais mineiros do início do século XX descobrimos um outro mundo, uma outra época. Embora o significado das formaturas permaneçam, a forma como elas eram realizadas era bem diferente. O relato que se segue foi retirado dos jornais Minas Gerais.
No
final dos anos de 1930, a escola localizada na rua Pernambuco, 47 se chamava
Escola Normal Modelo. Minas Gerais era governado por Benedito Valadares. Considerado
pelos seus contemporâneos como “uma árvore frondosa que deu muitos frutos”. Foi
indicado como interventor por Vargas, depois tornou-se governador do estado.
Permaneceu quase doze anos no poder. Neste período contribuiu para forjar
ícones da modernidade mineira, como por exemplo, o complexo da Pampulha,o Minas Tênis Clube e o Grande Hotel de Araxá.
No seu governo, a educação teve um grande destaque e a Escola Normal
Modelo desempenhou o papel de principal
protagonista no processo de transformação de estrutura de ensino do estado.
Isto explica o destaque dado pela imprensa e pelo governo a todas as
cerimônias e festividades ligadas às normalistas.
Todas
as festividades a partir da década de 1930 tinha início com a missa solene das
formandas que era realizada na Igreja de São José. De acordo com os jornais da
época, comparecia “o que de mais fino e seleto possuía a Sociedade
Belo-horizontina.” A cerimônia religiosa era acompanhada por uma orquestra de
professores que executava uma magnífica seleção de música sacra. Em 1933, de
acordo com o jornal “Minas Gerais”, a missa foi finalizada por um belo sermão
no púlpito do padre da matriz de Belo Horizonte, da igreja de São José, Álvaro
Negromonte, que destacou os principais deveres da jovem educadora no meio
social.
Em
seguida, dias depois da cerimônia religiosa era realizado no auditório da
Escola Normal uma sessão solene para a entrega dos diplomas. O auditório da
Escola Normal era o palco de todas as solenidades mais importantes. Segundo o
jornal “Minas Gerais de 11 de dezembro de 1938, o auditório na colação de grau,
ficava com a sua lotação esgotada. Era um evento importante não só para o
Instituto de Educação mas também para o governo do estado. O que pode ser
exemplificado pela própria composição da mesa no ano de 1938. Estavam presentes
inúmeras autoridades. Como por exemplo, Cristiano Machado (Secretário de
Educação de Minas Gerais), Eliseu Laborne (Diretor do Departamento de Educação
do Estado), D. Antônio José dos Santos (bispo da cidade paulista de Assis),
entre outros.
Transmitida
pela rádio PRI-3, a sessão solene foi iniciada com a execução do Hino Nacional
por uma orquestra sinfônica. O discurso da oradora, senhorita Filomena Mesquita
Lara, destacou a importância do ensino que era ministrado e a dedicação de
todos os professores. Também prestou homenagem ao paraninfo da turma, o doutor
Cristiano Machado. O seu discurso terminava dizendo: “Que desça sobre vós em
abundância – Pais e mestres queridos – a benção de Deus pelo bem que nos
desejais, pelo bem que nos fizestes. E eu quisera encontrar neste momento
frases bem expressivas, palavras que pudessem sintetizar meus sentimentos,
Mestre querido – professor Firmino Costa, ao entregar-vos as despedidas, as
saudades, os protestos de gratidão e de amizade das normalistas de 1938. Vossos
preceitos, vossos conselhos de pai, de sábio e de Mestre, irão conosco; aí
encontraremos as normas do dever e da honestidade. Partiremos, seguiremos mundo
afora porém não vos esqueceremos! Quando quisermos personificar diante de
nossos alunos de amanhã o homem de caráter o homem de honra, o homem de talento,
o homem de bondade. Teremos sempre presente aos olhos de nossa imaginação a
figura excelsa de Firmino Costa. [...]
Queridas
colegas de turma. Amanhã, cada uma de nós terá seguido seu destino diferente.
Serão ditosas muitas! Mas a lembrança dos dias felizes vividos nesta casa de
paz e amor – onde D. Maria José, nossa querida diretora foi para nós a mão
carinhosa, a irmã dedicada, a amiga confidente que nunca esqueceremos – essa
lembrança será um oásis delicioso onde descansaremos da luta e buscaremos o alento
para prosseguir. Missão sublime, missão grandiosa, missão augusta a nossa!
Invoquemos de contínuo a Deus para não desmerecermos nunca, do alto propósito
em que estamos – trabalhar por um Brasil grande, forte e respeitado – dentro do
amor de Deus!”
O
discurso da oradora da turma de normalistas de 1938 demonstra a importância dos
professores na sua formação profissional. Pois, ao longo da sua vida escolar, a
normalista (o aluno\a aluna) teve o professor (a professora) como modelo de referência
sobre como pensar e agir. No seu discurso, a senhorita Filomena
Mesquita Lara, demonstra que naquela época as pessoas tinham uma enorme crença
no poder transformador da sociedade. Destaca também a qualidade e a
especificidade do ensino ministrado pela Escola Normal Modelo da capital
mineira. Os professores dessa instituição rompiam com o que tradicionalmente
era feito ao propor uma educação que ia além da reprodução imediata daquilo que
estava nos livros. O processo de ensino-aprendizagem já privilegiava um certo diálogo
entre teoria e prática. Além disso não era esquecida a sua dimensão ética.
Pois, acreditava-se que o melhor ensino era aquele realizado através de
exemplos visto que não é viável ensinar
alguma coisa que você não pratica em sua vida.
Nesta
mesma cerimônia, o paraninfo Dr. Cristiano Machado disse: “Estas festividades
de diplomação nos cursos profissionais são sempre um misto de transbordamento
de alegria juvenil, de antecipação de saudades e já domínio de severa
interrogações. Que satisfação maior podereis esperar na vida escolar do que a
que vos proporciona este dia em que todas vós estais, em sublimação de vossos
afetos, no reconhecimento pelos vossos mestres e na compreensão da bondade e
inteligência que conquistastes! Vencestes uma grande e nobre etapa sobre a qual
me permito também fixar ligeiras considerações, algumas delas ligadas a esta
casa, velho solar renovado, cujo ambiente de majestade arquitetônica não
contraria, mas anima e dá esplendor a vida que aqui se vive. Nele penetrastes
apenas transposto o curso primário e ainda sob o calor materno que aqui vistes
estendido no carinho e no zelo de vossos professores e de vossas professoras,
que, como o primeiro, vos ensinaram a ser mestras [...]”.
Após
a cerimônia solene de entrega dos diplomas, ocorreu, às 22 horas, no
aristocrático e tradicional Automóvel Clube de Belo Horizonte, o baile que a
diretoria da Escola Normal oferecia às normalistas da turma de 1933. O baile
era animado por uma sofisticada orquestra e se prolongava até o início do dia
seguinte.
Esta
pesquisa pode ficar ainda mais rica quando nos voltamos para os registros
fotográficos. Há em arquivos públicos e privados um tesouro inestimável que foi
pouco estudado. A história da Escola Normal Modelo e do Instituto de Educação,
em virtude do seu prestígio, foi amplamente registrada a partir de fotos deste
a sua fundação. Tais imagens são verdadeira “máquinas do tempo”. Pois,
registraram a moda, os costumes e as solenidades da época. Mas, este é o
assunto para ser apresentado em um outro post.